A dinâmica do espaço urbano mudou a partir das
confirmações de pacientes infectados pelo coronavírus Sars-CoV-2 no
Ceará. Os casos positivos para a Covid-19, doença pandêmica em
crescimento, obrigaram a reclusão social, sobretudo com o decreto
estadual que interrompeu serviços. Com mais gente dentro de casa e
consequentemente, menos carros, motos e bicicletas, o número de
acidentes de trânsito recuou. Se entre 17 e 31 de março de 2019 os
sinistros chegaram a 123, em igual período deste ano, foram apenas 48, o
que aponta uma redução de 61% nos números.
Os registros de óbitos por acidentes também acompanharam o cenário de
quedas. Em igual intervalo de tempo, as mortes decresceram de 21 para
9. Os dados foram encaminhados pelo Departamento Estadual de Trânsito
(Detran-CE), após solicitação do Sistema Verdes Mares. O órgão, no
entanto, não detalhou em quais municípios e rodovias estaduais as
ocorrências foram registradas.
A Capital, por sua vez, que concentra a maioria dos casos com
diagnóstico positivo da Covid-19, acumula também a maior baixa no
quantitativo de acidentes. Segundo balanço da Autarquia Municipal de
Trânsito e Cidadania (AMC), os chamados para atendimentos de incidentes
em ruas e avenidas caíram 73% entre 19 (feriado estadual de São José) a
29 de março últimos, em comparação a iguais dias de 2018.
Enquanto em 2020, Fortaleza contabilizou apenas 95 acidentes, no ano
passado, o total chegou a 351. A AMC inclui na lista atropelamentos,
colisão com e sem vítimas e choques com postes de energia. Já sobre os
incidentes que levam usuários de transportes a óbito, o órgão indica um
declínio de 20%, e para as ocorrências com o registro de vítimas, 58,2% a
menos.
"Essas reduções proporcionam a melhoria do sistema de atendimento de
emergência. Isso porque, menos pessoas estão correndo risco nas ruas e
acabam dando a oportunidade de quem, nesse momento, precisa efetivamente
desse serviço encontrar vagas de imediato nas redes públicas e
particular", justifica o superintendente da Autaquia Municipal, Arcelino
Lima.
IJF
Referência estadual no atendimento de traumas, o Instituto Doutor
José Frota (IJF) também viu cair os acolhimentos na emergência por causa
da quarentena. Vítimas de acidentes de carros, motos, bicicletas e
pedestres somaram 238 entre 17 e 31 de março, 55% a menos que o mesmo
período do ano passado, com 529 casos.
Por outro lado, o superintendente adjunto do IJF, Osmar Aguiar,
esclarece que as equipes multiprofissionais continuam voltadas para o
atendimento de diferentes complexidades clínicas. Os leitos vagos estão
sendo ocupados por pacientes internados. "Eles estão sendo colocados
para darem continuidade aos seus tratamentos", diz o médico,
complementando que já existe uma ala para receber exclusivamente pessoas
contaminadas pelo coronavírus. "Nós disponibilizamos no IJF 2 uma
unidade para receber pacientes que tenham diagnóstico do Covid-19".
Emergência
As anotações de trânsito aconteceram quando o fluxo de pedestres e
motoristas começou a diminuir em 17 de março, um dia após o governador
Camilo Santana baixar decreto suspendendo aulas em colégios e
universidades públicas até o dia 29. O mesmo documento também definiu
estado de emergência na saúde pública por ocasião do coronavírus. O
chefe do Executivo estadual prorrogou por mais 30 dias a suspensão das
atividades presenciais em escolas, cursos, faculdades e universidades
públicas e privadas.
Além de mudar o calendário letivo das instituições de ensino, Camilo
Santana determinou ainda em novo decreto o fechamento de
estabelecimentos comerciais entre os dias 20 a 29 de março. Dessa forma,
bares, lanchonetes, restaurantes, feiras livres, shoppings, barracas de
praia, cinemas, academias e museus deveriam permanecer de portas
fechadas. Apenas farmácias, hospitais, clínicas veterinárias e
supermercados podem funcionar, o que contribuiu também para afastar as
pessoas da rua. No último sábado (28), o governador anunciou o
isolamento social por mais sete dias.
Até que a rotina seja normalizada, o cenário continuará com
movimentação atípica nas áreas de grande comércio, pontos turísticos e
unidades de ensino básico e superior: sinais de trânsito sem fila de
veículos, faixa de pedestres quase inutilizada e frota de ônibus
coletivo reduzida. Quem precisa se deslocar ao trabalho encontra vias
vazias e sem engarrafamentos até em horários de pico, realidade
diferente para um dia útil.
O advogado e especialista em Direito de Trânsito, Rodrigo Nóbrega,
pondera que alguns condutores podem se aproveitar da circunstância para
cometer infrações. "O fato de as pessoas estarem dentro de casa diminui o
uso do veículo, mas tem gente que se aproveita do fato da fiscalização
menos ostensiva e ter menos meios de transporte para descumprir a
quarentena e a legislação de trânsito", atesta.
Contudo, a AMC reforça que as 110 câmeras de videomonitoramento
instaladas em Fortaleza não deixaram de mapear o comportamento dos
motoristas. Os equipamentos acompanham possíveis transgressões. A
fiscalização eletrônica acontece ainda através de fotossensores que
registram a infração e tiram foto das placas dos veículos.
De acordo com Arcelino Lima, os agentes do órgão foram realocados em
novas atividades, o que eles chamam de "regime de contingenciamento" por
conta da Covid-19. No último fim de semana, por exemplo, o efetivo
atuou na campanha de vacinação contra a gripe, organizando as filas de
automóveis nos shoppings e na Universidade de Fortaleza. O trabalho tem
sido reforçado também em áreas de carga e descarga, embarque e
desembarque de hospitais, como o Leonardo da Vinci, que recebe pacientes
contaminados por coronavírus.
"O nosso trabalho é muito proporcional ao volume de carros nas ruas.
Se há pouco fluxo, reduz a necessidade de efetivo. Atualmente, as
atividades estão mais específicas para tentar ajudar a cidade na
reversão desse problema. Nesses locais que têm grande movimentação na
entrada e saída, a gente pode utilizar, sim, de fiscalização, mas não é a
nossa função principal no momento", ressalta Lima.