Desde que foi criada a Lei Maria da Penha
(nº 11.340/2006), há exatos 13 anos, cada vez mais, no Brasil, se
denunciam ocorrências de violência contra a mulher. Ameaça, cárcere
privado, agressão física, psicológica, moral, sexual, virtual,
obstétrica, tráfico, feminicídio. Só nos seis primeiros meses deste ano,
a Central de Atendimento à Mulher do Disque 180 recebeu 46,5 mil
denúncias assim, 10,9% a mais do que consta nos registros do mesmo
período em 2018.
O crescimento das denúncias segue o grave aumento da
quantidade de registros de mulheres sendo assassinadas por serem
mulheres — feminicídios — e acompanha a disseminação do conhecimento
sobre a legislação que, nesta quarta-feira, 7, comemora mais de uma
década de vigência. "Mulheres estão tendo mais acesso à informação",
assegura Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Defesa da Mulher
(Nudem) da Defensoria Pública do Ceará.
O Nudem tem feito, mesmo, mais atendimentos. Em 2018,
4,3 mil mulheres vítimas, principalmente, de violência psicológica,
moral, física, patrimonial e sexual, foram amparadas pelos defensores
públicos, número 9,5% maior do que em 2017 e 56,8% superior ao
registrado em 2016. "As pessoas precisam se empoderar desse direito,
saber que existe um ciclo de violência que, enquanto não for
interrompido, pode se repetir", insiste Jeritza.
Do legado da lei que leva seu nome, Maria da Penha Maia
Fernandes, 74, a farmacêutica cearense que, na década de 1980, sofreu
dupla tentativa de feminicídio do marido, destaca o esclarecimento de
que o código não é para punir homens mas, sim, proteger mulheres e punir
homens agressores. "E quem é o homem agressor? É aquele que não sabe
tratar a mulher com respeito e dignidade", resume. Mas, também, cobra:
"Infelizmente, até o momento, políticas públicas só estão presentes, com
raras exceções, nas cidades que geralmente são as capitais".
Urge a necessidade de interiorização da rede de
assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Tanto
que, em março deste ano, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT),
anunciou que o Estado construiria e manteria equipamentos semelhantes à
Casa da Mulher Brasileira (projetada pelo Governo Federal) inaugurada
ano passado em Fortaleza. "A Casa é um equipamento que veio revolucionar
o acolhimento e o encaminhamento das mulheres em situação de
violência", sintetiza Daciane Barreto, coordenadora da unidade.
Prevista em lei, a rede de assistência deveria já ter
sido disseminada pelo menos pelas capitais do País, seguindo a
multidisciplinaridade presente na CMB. Isso, porém, não aconteceu. Rosa
Mendonça, titular, em Fortaleza, do Juizado da Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, afirma, apesar disso, que o momento é de focar
ações nos interiores dos estados. No Ceará, por exemplo, "não temos
centros de referência, somente um juizado especializado no Cariri. Casas
de abrigo, também, não. Interior é desprovido de tudo", disse.
Entre as contribuições mais significativas da Lei Maria
da Penha, Rosa destaca as medidas protetivas — que, desde o ano
passado, podem, também, ser aplicadas por autoridades policiais. Apenas
no primeiro semestre deste ano, de acordo com a juíza, o Juizado expediu
uma média de 350 medidas protetivas urgentes por mês. "Tem salvado
vidas", garantiu.
Além disso, Rosa ressalta a construção de juizados
especializados multidisciplinares, o incentivo à denúncia e a
criminalização de práticas que antes eram consideradas de menor
potencial ofensivo. A juíza sugere, no entanto, que alguns tipos de
violência sejam melhor amparados judicialmente. "A psicológica, que é
uma das piores, atinge muito a autoestima da mulher, mas não tem
materialidade. A gente recorre a ameaça, contravenção penal", citou.
Daciane, da Casa da Mulher Brasileira, acrescenta a
criação de medidas para prevenir e erradicar a violência de gênero.
"Estamos avançando no ponto de vista da legislação e prática do
enfrentamento". Pontua, contudo, desafios: machismo, cultura do
patriarcado, misoginia e escassez de infraestrutura. Sobre a construção
de mais CMBs, por exemplo, admitiu: "Não houve mais nenhum movimento pra
continuidade do programa". (colaborou Domitila Andrade)