quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Lei Maria da Penha: 13 anos depois, mais denúncias e mais acolhimentos

Desde que foi criada a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), há exatos 13 anos, cada vez mais, no Brasil, se denunciam ocorrências de violência contra a mulher. Ameaça, cárcere privado, agressão física, psicológica, moral, sexual, virtual, obstétrica, tráfico, feminicídio. Só nos seis primeiros meses deste ano, a Central de Atendimento à Mulher do Disque 180 recebeu 46,5 mil denúncias assim, 10,9% a mais do que consta nos registros do mesmo período em 2018.

O crescimento das denúncias segue o grave aumento da quantidade de registros de mulheres sendo assassinadas por serem mulheres — feminicídios — e acompanha a disseminação do conhecimento sobre a legislação que, nesta quarta-feira, 7, comemora mais de uma década de vigência. "Mulheres estão tendo mais acesso à informação", assegura Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará.

O Nudem tem feito, mesmo, mais atendimentos. Em 2018, 4,3 mil mulheres vítimas, principalmente, de violência psicológica, moral, física, patrimonial e sexual, foram amparadas pelos defensores públicos, número 9,5% maior do que em 2017 e 56,8% superior ao registrado em 2016. "As pessoas precisam se empoderar desse direito, saber que existe um ciclo de violência que, enquanto não for interrompido, pode se repetir", insiste Jeritza.

Do legado da lei que leva seu nome, Maria da Penha Maia Fernandes, 74, a farmacêutica cearense que, na década de 1980, sofreu dupla tentativa de feminicídio do marido, destaca o esclarecimento de que o código não é para punir homens mas, sim, proteger mulheres e punir homens agressores. "E quem é o homem agressor? É aquele que não sabe tratar a mulher com respeito e dignidade", resume. Mas, também, cobra: "Infelizmente, até o momento, políticas públicas só estão presentes, com raras exceções, nas cidades que geralmente são as capitais".

Urge a necessidade de interiorização da rede de assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Tanto que, em março deste ano, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), anunciou que o Estado construiria e manteria equipamentos semelhantes à Casa da Mulher Brasileira (projetada pelo Governo Federal) inaugurada ano passado em Fortaleza. "A Casa é um equipamento que veio revolucionar o acolhimento e o encaminhamento das mulheres em situação de violência", sintetiza Daciane Barreto, coordenadora da unidade.

Prevista em lei, a rede de assistência deveria já ter sido disseminada pelo menos pelas capitais do País, seguindo a multidisciplinaridade presente na CMB. Isso, porém, não aconteceu. Rosa Mendonça, titular, em Fortaleza, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, afirma, apesar disso, que o momento é de focar ações nos interiores dos estados. No Ceará, por exemplo, "não temos centros de referência, somente um juizado especializado no Cariri. Casas de abrigo, também, não. Interior é desprovido de tudo", disse.

Entre as contribuições mais significativas da Lei Maria da Penha, Rosa destaca as medidas protetivas — que, desde o ano passado, podem, também, ser aplicadas por autoridades policiais. Apenas no primeiro semestre deste ano, de acordo com a juíza, o Juizado expediu uma média de 350 medidas protetivas urgentes por mês. "Tem salvado vidas", garantiu.

Além disso, Rosa ressalta a construção de juizados especializados multidisciplinares, o incentivo à denúncia e a criminalização de práticas que antes eram consideradas de menor potencial ofensivo. A juíza sugere, no entanto, que alguns tipos de violência sejam melhor amparados judicialmente. "A psicológica, que é uma das piores, atinge muito a autoestima da mulher, mas não tem materialidade. A gente recorre a ameaça, contravenção penal", citou.

Daciane, da Casa da Mulher Brasileira, acrescenta a criação de medidas para prevenir e erradicar a violência de gênero. "Estamos avançando no ponto de vista da legislação e prática do enfrentamento". Pontua, contudo, desafios: machismo, cultura do patriarcado, misoginia e escassez de infraestrutura. Sobre a construção de mais CMBs, por exemplo, admitiu: "Não houve mais nenhum movimento pra continuidade do programa". (colaborou Domitila Andrade)