Jair Bolsonaro representa um risco muito grave para a nação brasileira.
Jair Bolsonaro não é um risco para a democracia.
As duas frases acima foram ditas por Ciro Gomes.
Os contextos diferentes não parecem justificar o cavalo de pau entre uma declaração e outra.
Na primeira, o então candidato do PDT estava em campanha e o oponente acabava de ser esfaqueado.
Na outra, proferida há poucos dias, dirigia-se a investidores.
Ciro terminou a campanha em terceiro lugar, com 12,5% dos votos.
No segundo turno, anunciou um não-voto a Bolsonaro, e só.
Petistas esperam até hoje um apoio mais enfático a Fernando Haddad.
Encerrada
a eleição, o ex-governador do Ceará reservou mais pauladas ao PT do que
a Bolsonaro, outrora chamado de grave risco à nação.
Disse
ter sido traído por Lula, responsável por frustrar uma aliança entre
ele e o PSB, e atribuiu aos petistas um “projeto de poder miúdo” e de
“ladroeira”.
A
artilharia ocorre no momento em que tenta articular um movimento que
seja, ao mesmo tempo, oposição a Bolsonaro e uma alternativa à frente de
esquerda encabeçada pelo PT – um movimento que espera unir nomes do
PSB, PSDB, PPS e DEM que não pretendam aderir automaticamente à base do
novo governo.
Até aqui, porém, a resistência desses partidos a Bolsonaro é tímida.
O DEM, por exemplo, já emplacou três ministros na nova composição, entre eles o titular da Casa Civil.
No PSDB, o que não falta é gente se aninhando para o lado bolsonarista.
João
Doria, tucano que pediu votos a Bolsonaro no segundo turno e se elegeu
governador em São Paulo, é o maior símbolo deste movimento, para
desespero de Fernando Henrique Cardoso, a quem o futuro presidente
gostaria de fuzilar.
Atual presidente da legenda, Geraldo Alckmin deu apenas uma indicação do futuro até aqui: vai dar aulas na Uninove.
Haddad, por sua vez, tem passado os dias compartilhando notícias e análises críticas a Bolsonaro.
Em
uma delas, rabiscou uma resenha das séries Black Mirror e The
Handmaid’s Tale, distopias que, segundo ele, dialogam com as
“bozoaflições contemporâneas”. Como escreveu um amigo, parece não ter
entendido o recado das urnas e “continua falando pro Não Existe Amor em
São Paulo”.
Entre
todos os oponentes de Bolsonaro na disputa, Ciro é quem menos levou
tempo para enrolar os dardos. Falta entender a estratégia – que, até
aqui, não encarna a verborragia da campanha. Pelo contrário.
Quem
observa com atenção as cenas dos últimos capítulos aposta que Ciro está
de olho nos eleitores descontentes do ex-capitão que prometia, de
saída, um ministério sem nomeações partidárias e aliados sem imbróglios
judiciais – algo que encontra dificuldade para cumprir, como se vê pela
escolha do futuro ministro da Saúde investigado por Caixa 2 e fraude em
licitação.
Quem acreditou na conversa “contra tudo o que está aí” pode se transformar em um potencial explosivo de decepção.
Para
ganhar esse terreno, Ciro tenta adaptar o discurso ao sentimento
antipetista sem chutar quem optou por um defensor da ditadura.
Os próximos capítulos prometem.