Por Matheus Pichonelli
Os
fogos começaram a estourar mais cedo perto de casa. Por um instante
achei que tinham antecipado a final do Campeonato Paulista, marcada para
domingo, entre Palmeiras e Corinthians.
O
que foi antecipada, soube depois, era a ordem de prisão do juiz Sergio
Moro contra o ex-presidente Lula, que na véspera teve negado o pedido de
habeas corpus no Supremo Tribunal Federal.
Em pouco tempo, a decisão dominou os assuntos nos grupos de WhatsApp e na timeline do Facebook e do Twitter.
Parte
daquelas pessoas, muitas delas conhecidas, estava feliz. Feliz, como se
tivesse vencido uma partida de futebol. Os argumentos e provocações a
adversários, inclusive, têm muito do espírito da arquibancada, no qual
um ganha quando outro é eliminado. Mas política é o jogo do acordo, da
cessão. Do quem perde menos para avançar, enfim.
Nós,
que tanto gostamos de citar os EUA como modelo, parecemos ignorar um
pilar fundamental do jogo democrático americano, em que, como lembra o
doutor em ciência política Celso Rocha de Barros em artigo deste mês na
revista piauí, o adversário é combatido até um limite; se um lado for
excluído, como em um processo de impeachment, o outro sabe que as
consequências são a perda de algo maior. A legitimidade.
Por
aqui, pilares são reconstruídos e removidos de acordo com a ocasião. Um
vórtice quase sempre se abre em seu lugar, e é mais ou menos o que
possibilitou, de 2014 para cá, a ascensão e/ou ressurgimento de figuras
estranhas ao corpo democrático.
De
tudo o que é possível dizer ou se perguntar a respeito do julgamento e
dos slogans que ele suscita (“eleição sem Lula é golpe?”, “alguém está
acima da lei?”, “alguém está abaixo?”, “é justo que a lei mude para que
ele possa concorrer?”) nada parece mais instigante do que entender o que
leva alguém a COMEMORAR a prisão de Lula.
Isso
porque, na melhor das hipóteses, o julgamento foi correto, cumpriu
todos os ritos e ritmos institucionais e levou à prisão não apenas um
político, mas uma ideia de fazer política. A ideia de que um operário
poderia alcançar a Presidência e que, de lá, poderia assumir o combate à
fome e à pobreza como pilar, ampliando os portões de acesso à
universidade, universalizando o atendimento público à saúde, garantindo à
população mais vulnerável o mínimo do mínimo com um projeto de
transferência de renda. Se isso não funcionou na prática, não funcionou
de modo duradouro, funcionou às custas de alianças espúrias ou no fim
das contas valeu menos do que o interesse de empreiteiras e aliados de
caráter duvidoso, vivemos todos uma farsa e a notícia da prisão é o
sepultamento de uma ilusão. Nada a comemorar, portanto.
Na
pior das hipóteses, Lula foi, como defendem seus aliados, alvo de um
sistema jurídico apressado e atento ao timing político das eleições e da
agenda de interesses poderosos, assumida pelo governo atual, que o
ex-presidente prometia combater em sua possível volta. A constatação de
que a Justiça está a reboque de outros interesses se não a justiça seria
a mais melancólica das conclusões. De novo, nada a comemorar.
A
prisão, então, representaria o fim da impunidade, o desfecho merecido
de quem desafiou a lei, a Justiça e a inteligência popular até onde
pode? Se esse for o motivo para os rojões, lamento informar que o
torcedor está sendo ingênuo.
Meses
atrás, o presidente em exercício recebeu um notório pilantra fora da
agenda oficial para ouvir, sem qualquer correção, como este havia
comprado juízes, procuradores e até o silêncio de um ex-deputado na
prisão. O mesmo pilantra entregou uma mala de dinheiro a um aliado
indicado pelo próprio presidente dias depois, e conseguiu no muque
barrar duas denúncias contra ele no Congresso. Está tão à vontade no
posto que alimenta o sonho de se reeleger.
Até
aqui, o argumento de combate à impunidade serviu apenas como discurso
político, inclusive de quem terá uma campanha inteira para explicar (ou
não?) as relações com um cunhado suspeito, com o operador de partido que
mantinha R$ 113 milhões na Suíça e com o nome de “Santo” na planilha da
Odebrecht. E se amanhã o Santo da causa também for preso, será um
motivo a menos para tantos rojões.
O
Brasil de 2014 não se tornou menos corrupto. Virou um mais cínico. E
mais claro em sua ordem até então velada de que o poder não aceita
postulantes de origem operária nem mulheres ou representantes de
minorias. Dilma Rousseff foi atacada até cair, com méritos, mas talvez
menores do que o sucessor. No caso de Marielle Franco, o breque foram
com quatro tiros em via pública.