Quando Martinho Lutero pregou
na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg, em 31 de outubro de 1517, o
pergaminho com as 95 teses, ele não o fez com a pretensão de dividir ou
de desencadear um grande movimento na história da Igreja. Ele agia como
o padre que, com preocupação, via como as almas dos seus paroquianos
eram desnorteadas por um grande escândalo, escaradamente apregoado em
nome da santa Igreja: a venda do perdão de Deus, como se fosse
mercadoria, por meio de cartas de indulgência.
As teses, escritas em latim, eram
destinadas a suscitar uma discussão, entre os acadêmicos, sobre a
legitimidade bíblica de tal negócio. Deus oferece o perdão ao pecador
arrependido por graça e bondade, pelo mérito de Jesus Cristo.
Deus é uma necessidade social. Igreja é uma escolha individual.
Salvação, pecado, Bíblia, história. Há 500 anos, um homem questionou a
prática da Igreja Católica Romana. Ele foi excomungado, guerras
aconteceram, a Inquisição tomou força e a Reforma Protestante mudou o
mundo. Os interesses políticos, financeiros e religiosos se desnudaram e
então aconteceu a maior ruptura do cristianismo. A fé se transformou e
deverá continuar em mutação. Haverá sempre novas formas de ser cristão.
O
homem excomungado foi o monge agostiniano Martinho Lutero, que escreveu
95 teses contra, principalmente, as indulgências praticadas na época.
No dia 31 de outubro de 1517, ele as colou na Igreja de Wittenberg.
Comprar a salvação era inconcebível. Por centenas de anos, católicos e
protestantes se enfrentaram. Entre eles, o mesmo livro-guia, a Bíblia,
interpretada das mais diversas formas. Hoje, há o consenso de que,
apesar das diversas religiões existentes, Cristo é apenas um e,
portanto, há de se pregar cada vez mais a paz, a liberdade e o respeito.
Um encontro, em 2016, entre o papa Francisco e o presidente da
Federação Luterana Mundial, bispo Munib Yunan, resultou em uma
declaração conjunta de paz.
“A divisão aconteceu por várias razões
que talvez, hoje, conseguissem ser superadas com diálogo. Nestes 500
anos, a história aprofundou essa divisão, mas também a Igreja Católica
tentou redimir seus defeitos”, afirma o padre Luís Sartorel, professor
da Faculdade Católica de Fortaleza. Para o padre, a contemporaneidade é
um convite à quebra de barreiras e o futuro deve prezar pela união. “O
mundo moderno parece que quer construir muros, categorias, então o peso
do diálogo ecumênico é ainda maior do que há 500 anos. Porque sabemos
que ainda há perseguição religiosa”.
O pastor Luis Correia, da
Igreja Batista Filadélfia, lembra que o processo de declinação da fé já
acontecia antes da Reforma. “No início da fé cristã, os apóstolos já
enfrentam heresias, desvirtuamentos. A própria Bíblia pode ser a mãe de
todas as heresias, porque você a interpreta como quer”, considera. O
pastor é um dos críticos do modelo atual de algumas igrejas
protestantes, que com o tempo teriam também se desvirtuado. Com o
advento da internet, Luis Correia acredita que a fé movida apenas ao
emocional, ao sobrenatural, deverá diminuir. “Está havendo uma
redescoberta, principalmente pelos jovens, da beleza da Reforma
Protestante, da doutrina da graça. E a internet democratizou esse
conhecimento”, pondera.
Difícil prever qual será o “destino” da fé
em Deus. Mas com certeza ela mudará. É o que expõe o professor do
Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC), Edin Sued Abumanssur. As pessoas não precisam mais
ir a uma igreja para serem cristãs - a arte e o compartilhamento pode
também contemplá-las. A tecnologia, conforme o professor, também terá
influência. “Não sei qual será, mas é possível, por exemplo, ver pessoas
em cultos com o celular nas mãos e não mais com a Bíblia”, exemplifica.
A inteligência artificial, a conexão entre as pessoas e as
experiências espirituais podem sim também gerar uma crença na
fraternidade entre os seres. “Mas Deus sempre existirá. É importante
para a sobrevivência da sociedade. Deus é uma necessidade. O diabo
também”.