terça-feira, 5 de setembro de 2017

Beijo forçado é estupro? Posso denunciar uma cantada? O que a lei diz sobre os abusos contra mulheres

O caso de um homem preso duas vezes em menos de uma semana por abusar de mulheres em ônibus de São Paulo levantou o debate sobre se a lei realmente protege as vítimas e o que é considerado estupro pela Justiça. Preso em flagrante por ejacular em uma passageira dentro de um ônibus lotado na terça-feira (29), Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, foi solto por decisão de um juiz que entendeu que não houve estupro. 

Três dias depois, Novais foi preso novamente por esfregar o pênis em outra passageira. Era a 17ª vez que ele era levado para a delegacia por ter praticado esse tipo de ato e, desta vez, outro juiz decidiu mantê-lo preso por estupro

Mas o que diz a lei a respeito desse caso e de outros abuso sofridos pelas mulheres cotidianamente, como ser agarrada à força e ouvir insultos na rua? O G1 lista algumas dessas situações e explica por que determinados casos são tratados como estupro e outros não, depois que a lei mudou em 2009.

Ejacular no corpo de uma mulher

No caso em que Novais foi detido por ejacular no pescoço de uma passageira que estava sentada no ônibus, a polícia considerou o ato como estupro, mas o juiz que o libertou entendeu que se tratava de importunação ofensiva ao pudor. Por ser uma contravenção penal, esse caso não mantém o acusado preso. 

A lei de 2009 passou a considerar estupro todo caso em que a vítima é constrangida (no sentido de coagir, e não de envergonhar) a praticar um ato sexual sem consentimento, com emprego de violência ou grave ameaça (física ou moral). A pena vai de seis a 10 anos de prisão. 

"O constrangimento significa coagir, através de uma coação física, como segurando a pessoa, ou também por meio de uma violência moral, apontando uma arma, que é uma grave ameaça", explica o criminalista Leonardo Pantaleão. 

Já na importunação ofensiva ao pudor não há o constrangimento. "É a conduta de importunar, incomodar", explica. "O comportamento [no caso da ejaculação] foi absolutamente imoral, mas não houve uma coação física ou moral, no sentido em que prevê a legislação penal, então, foi enquadrado como importunação."

O que diz a lei:

  • Estupro - Art. 213 do Código Penal: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
  • Importunação ofensiva ao pudor - Art. 61 da Lei de Contravenções Penais: Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.

Esfregar o órgão genital na mulher

Na prisão de Novais no sábado (2), ele foi flagrado esfregando o pênis em uma passageira, que tentou se afastar e foi segurada à força por ele. "Aí entendo que essa conduta se enquadra no crime de estupro, porque houve uma violência e um constrangimento, além de um ato libidinoso", afirma Pantaleão. 

O professor do Centro Preparatório Jurídico (Cpjur) explica que, para configurar um crime, uma conduta não pode ser aproximada, ela precisa respeitar exatamente o que diz o artigo do Código Penal. "Se faltar um dos elementos, por exemplo, se não houve a coação, não se enquadra. Isso existe justamente para evitar o abuso do poder estatal", complementa.

Tocar a mulher sem permissão no transporte ou local público, abordar de forma ofensiva e fotografar as partes íntimas

Abordagens ofensivas de mulheres nas ruas são contra a lei, mas consideradas de menor potencial. Também são casos de importunação ofensiva ao pudor, tipificação que permitiu que o ajudante de pedreiro fosse colocado em liberdade nas 16 vezes em que foi detido. 

Isso ocorreu porque a contravenção penal não prevê pena de prisão, apenas de multa. E se o acusado não será preso caso condenado, não há como mantê-lo preso antes disso. Aqui se enquadra também o assédio verbal contra a mulher em local público e até tirar fotos por debaixo da saia sem permissão. 

"No trem lotado, homens que se aproveitam daquela confusão e acabam se valendo disso para se esfregar, para um toque de mão. Não é estupro. Mas está chegando a hora de o legislador revisar isso, precisa de uma adequação", diz Pantaleão. 

"Porque como o comportamento começa a ser reiterado, gerando um desassossego social, é hora de talvez tornar um crime, deixar de ser contravenção. Para intimidar esse comportamento”, avalia. “Existe um vazio a ser preenchido.”