domingo, 27 de agosto de 2017

Vladimir Brichta põe à prova seu talento em ‘Bingo – o rei das Manhãs’

Mineiro de nascimento, baiano de coração, amigo de Lázaro Ramos e Wagner Moura, Vladimir Brichta mal encerrou os trabalhos na novela Rock Story, da Globo, e já está com novo trabalho nas salas de cinema. Ator fala sobre Bingo – O Rei das Manhãs, longa dirigido por Daniel Rezende e que estreou na quinta-feira, dia 24.
Com roteiro de Luiz Bolognesi, Bingo é inspirado na vida do ator e apresentador Arlindo Barreto, estrela da TV nos anos 1990. Na história, Brichta vive Augusto, um ator que tem a chance de se tornar um apresentador de programa infantil de grande sucesso no Brasil, mas terá sempre de se mostrar maquiado de palhaço, não podendo dizer quem está por trás dessa máscara. Terá sucesso, contanto que seja anônimo.

“Quando li o roteiro, tive uma empatia de cara ao ver um ator sofrendo com o sucesso e o anonimato. Vi que essa era uma das coisas mais valiosas nessa história”, revela Vladimir. “Você é muito bom como palhaço, ganha uma fortuna, mas ninguém nunca vai saber que é você quem faz. Talvez alguma outra profissão lidasse bem com isso, certamente a do ator não.”

Vladimir lembra como se preparou para viver esse personagem em conflito. “Para entrar nesse mundo, entrei em contato com o Fernando Sampaio, da Cia La Mínima, parceiro do Domingos Montagner, que participam do filme, e ele me falou da tradição do palhaço de picadeiro, que não é clown, e aí entendi como funciona isso. Ele me disse que, para entrar no picadeiro, primeiro tem de combinar uma entrada de palhaço se só então se descobre se tem talento ou não”, explica.

Vladimir estreou como palhaço de circo, sim. “Ensaiei com o Fernando, e então fui até um circo e entrei maquiado. Minha expectativa era a de não ser reconhecido e se eu seria engraçado como um anônimo”, conta.

O ator fala ainda sobre pontos importantes para entrar nesse mundo e poder interpretar um personagem tão singular. “Tive de me ambientar à época, tentar entender como funcionavam os códigos sociais”, explica Vladimir. “Mas a situação do palhaço é a mais emblemática e marcante. Augusto, meu personagem, é o caminho para ele conquistar, a princípio, o sucesso, o reconhecimento.”
Entre as várias fases da história, em um determinado momento, um produtor sugere que Augusto use em seu programa o que faz sucesso em outros países, mas o apresentador quer abrasileirar o conteúdo. Eis a grande sacada do personagem. “Ele tem de subverter a ordem. E Augusto, ao se transformar em Bingo, subverte mesmo ao dizer as verdades mais absurdas, mas de um jeito engraçado. É libertador, é a sua virada.”

O palhaço montou um programa infantil distinto dos tradicionais, comandando por várias horas, diariamente. “Como o espaço para números de palhaço era pequeno, ele se torna uma espécie de mestre de cerimônia, um apresentador. No filme, buscamos encontrar a medida entre ele ser engraçado, mas sem deixar de contar sua história”, esclarece Brichta, que relembra o momento em que o programa começou a cativar seu público. “Ele precisava prender a audiência e, para isso, teve a ideia de fazer um jogo, no qual as crianças ganhavam determinados prêmios. Só que ele subverte através do humor, da graça, até do politicamente incorreto, usando muito do improviso”, explica. “E o palhaço bebe na fonte, tenta aprender a ser um palhaço de verdade.”

Em sua percepção, Brichta comenta sobre o momento em que se transforma em comunicador. “Ele queria transformar um programa infantil em algo do nível do Chacrinha, Fustão, Silvio Santos. Se não fosse o problema com as drogas, talvez se tornasse em um grande executivo da televisão, pois chega a pensar em até fazer uma novela transgressora”, pontua o ator.
Brichta classifica seu personagem como uma figura livre e, no seu caso, a liberdade é um despudor, que desponta, por exemplo, na questão sexual na qual se concentram questões morais. “Quando você é um cara comprometido com a desconstrução de determinados dogmas, acaba se tornando uma figura que flerta com uma liberdade sexual, de expressão, o que, em certa medida, resulta em algo mais picante”, explica. “Envolver-se com diversas mulheres em uma noite, por exemplo. Ele se comporta como um fauno. Em outro momento, quando as crianças cantam uma música de duplo sentido, ele acha a maior graça do mundo, revelando esse elemento transgressor”. E finaliza: “quando li o roteiro, na hora entendi que se tratava de um personagem incrível”.

Papel principal em ‘Bingo’ estava reservado para Wagner Moura

Montador premiado – de Cidade de Deus e Tropa de Elite -, Daniel Rezende faz sua estreia na direção de longa com Bingo – O Rei das Manhãs, que estreou na quinta, 24. Rezende começou o filme com um ator, Wagner Moura. Devido a compromissos de suas agenda internacional – com Narcos -, Wagner teve de sair fora, mas indicou seu amigo Vladimir Brichta. “De uma hora para outra, fiquei sem ator e aí me encontrei com o Vladimir. Olhei nos olhos dele, e vi tamanha ansiedade, tamanha vontade que relaxei. Tinha o meu Augusto.”

O nome é importante. Augusto é o tipo de palhaço mais conhecido no Brasil. É extravagante, pícaro, mentiroso, provocador. Representa o mundo infantil. Anarquia e liberdade. Por uma questão de direito autoral, a cinebiografias de Bozo trocou de nome. Virou Bingo. Mais que isso – Arlindo Barreto era Bingo. Virou Augusto. “Queria descolar o meu personagem dele. O Arlindo fez sua viagem na realidade. Foi fundo nas drogas e no sexo. Salvou-o a religião. Virou evangélico. Com todo o respeito, não era o que me interessava. O que pode salvar Augusto no meu filme é o seu desejo, a sua necessidade de um palco. Não importa que palco é esse – teatro, filme pornô, palco de TV, púlpito de um templo evangélico. Ele necessita dessa luz.”


O diretor só tem elogios para seu ator. “Vladimir foi de uma entrega absoluta. Deu um salto sem rede.” E o próprio Vladimir – ele ri quando o repórter diz que Augusto talvez seja sua Carminha, o papel que, na TV, em Avenida Brasil, consagrou sua mulher, a atriz Adriana Esteves. “Não sei se vai ser Carminha, porque isso depende dos outros, do olhar do público. Mas, para mim está sendo, sim, um divisor de águas.” Rezende destaca a contribuição da foto, da direção de arte, da montagem. “Estudei muito a pornochanchada e nossa cultura brega dos anos 1980. Queria que o filme fosse atemporal, e a arte tem coisas até dos 1960. Mas esse mergulho nos 1980/90 é muito forte. Está no meu imaginário como no do público. Espero que as pessoas o reencontrem como uma releitura crítica.”