Brasília Os deputados deram a partida no plenário da
Câmara, ontem, à disputa política do discurso vencedor da batalha do
impeachment no primeiro dos três dias do rito de votação da abertura do
processo contra a presidente Dilma Rousseff, após uma semana de
negociações e embates judiciais.
Iniciada às 8h55, a sessão deu o tom que deve permear os próximos dias.
Parlamentares favoráveis ao impeachment amontoavam-se no canto do
plenário reservado para que fizessem suas inscrições para discursarem
hoje, munidos de cartazes - alguns deles, nas cores verde e amarela,
traziam a frase "Tchau, querida!", numa alusão ao áudio vazado entre
Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Do outro lado, parlamentares de siglas contrárias ao impeachment
exibiram cartazes de "Impeachment sem crime é golpe". Chico Alencar e
Glauber Braga (ambos do PSOL-RJ) levantaram cartazes contra o presidente
da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o vice Michel Temer (PMDB-SP), que
diziam "Cunha/Temer, chefes do acordão" e "Cunha/Temer unidos pelo fim
da Lava-Jato".
A manhã de ontem começou com o plenário relativamente movimentado
durante as exposições do jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do
pedido de impeachment, e do ministro José Eduardo Cardozo, da
Advocacia-Geral da União (AGU), algumas vezes interrompidos por críticas
ou aplausos, rodeados de deputados com cartazes favoráveis ou
contrários ao processo de impedimento da presidente.
"Quero lhes dizer que golpe sim houve quando se sonegou a revelação de
que o País estava quebrado", disse Reale Jr., o primeiro a ocupar a
tribuna do plenário da Câmara no dia, rebatendo a acusação de Dilma de
que o atual processo de impeachment é um golpe. O jurista disse confiar
no papel dos deputados, a quem chamou de "libertadores".
Cardozo, que se dirigiu aos parlamentares logo após o jurista, rechaçou
a acusação de que o atraso de repasses de recursos do Tesouro Nacional
para bancos públicos para pagamentos de programas de governo, as
chamadas pedaladas fiscais, sejam operações de crédito, o que é proibido
pela legislação.
"Como se pode entender que há uma operação de crédito nesse caso, nas
chamadas pedaladas? O que aconteceu na verdade é que o governo, a União,
tem um contrato de prestação de serviços... Atraso de pagamento de um
contrato não é empréstimo". Após deixar o plenário, Cardozo foi
cumprimentado por aliados como o deputado Orlando Silva (PCdoB), que lhe
disse próximo ao ouvido: "O seu discurso eleva o moral da nossa tropa. E
tem muita gente indecisa aí".
Apoio
Após a fala de Cardozo, cada um dos partidos com representação na Casa
teve uma hora para expor suas posições na tribuna. Por volta das 16h30,
quando o painel registrava 460 deputados presentes na Casa, apenas cerca
de 30 estavam no plenário.
Na mesma linha da acusação e da defesa da presidente, deputados
favoráveis e contrários ao impeachment subiram à tribuna para defender
seus pontos de vista e travar o embate político, mas em um plenário já
mais vazio. Ambos os lados afirmaram ter os votos necessários para seus
respectivos propósitos.
Deputados do PT, como o líder Afonso Florence (BA), Paulo Teixeira
(SP), e Arlindo Chinaglia (SP) criticaram o relatório de Jovair Arantes
(PTB-GO), acusando-o de não trazer base jurídica para o afastamento da
presidente. "O que está acontecendo neste momento é uma tentativa de
golpe parlamentar", disse Teixeira no tempo destinado ao partido. "Essa
conspiração da elite brasileira com parte da mídia e com parte do
Parlamento é podridão, e da podridão não nasce o novo, não nasce
esperança", afirmou, acrescentando que "sem legitimidade não se pode
governar o Brasil".
Oposição
Representantes da oposição, como o líder do PSDB, Antonio Imbassahy
(BA), rebateram os argumentos de que não há base jurídica para o
impedimento de Dilma. "Desde o seu princípio, toda discussão seguiu
estritamente as regras estabelecidas pela Constituição, pelo Supremo
Tribunal Federal e pela Lei 1.079, de 1950, que trata dos crimes de
responsabilidade".
"O impeachment é o remédio jurídico que deve ser aplicado contra a
presidente da República que cometeu crime de responsabilidade. É isso o
que diz a Constituição", acrescentou.
Outros tucanos também discursaram, como Carlos Sampaio (SP), que fez
referência ao esquema de corrupção na Petrobras. Alguns parlamentares
elevaram o tom sobre a presidente. Laerte Bessa (PR-DF), que chamou a
petista de "Dilma Russéti", também a qualificou como "bandida". Até
mesmo o relator do processo na comissão especial, Jovair Arantes, tomou a
palavra para defender seu parecer e dizer que seguiu "à risca" as
regras estabelecidas pelo STF quando definiu o rito do impeachment.
Neutralidade
Em um posicionamento mais neutro, o deputado Leonardo Picciani
(PMDB-RJ), líder da maior bancada da Câmara, defendeu que o País tente
encontrar o "caminho da reconciliação" independente do resultado de
amanhã. Segundo ele, pessoalmente contra o impeachment de Dilma mas
líder de uma bancada com 90% de apoio pela abertura do processo, faltou
"grandeza" ao governo ao não perceber a divisão do País após as eleições
de 2014, assim como à oposição, que não aceitou o resultado das
eleições.
Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ações que
poderiam adiar a votação de amanhã sobre a admissibilidade do
impedimento. Embora tenha reconhecido a derrota do governo com a
negativa do Supremo ao mandado de segurança oferecido pela AGU, Cardozo
avaliou que a decisão da Corte serviu para validar a tese da defesa de
que a denúncia contra Dilma trata apenas das pedaladas em 2015 e dos
decretos de créditos suplementares.
Para ser aprovada a autorização da Câmara para o Senado instalar o
processo de impeachment contra Dilma Rousseff são necessários os votos
de 342 dos 513 deputados - dois terços da Casa. A votação deve começar
às 14 horas de amanhã.
Golpe é mascarar atual situação fiscal do País
O jurista Miguel Reale Júnior começou sua fala no plenário da Câmara
rebatendo os gritos de guerra de parlamentares favoráveis à manutenção
do governo Dilma Rousseff. Ele abriu discurso na sessão que discute
parecer a favor da abertura de processo de impeachment da presidente
pouco depois das 9h e falou por 14 dos 25 minutos a que tinha direito.
Miguel Reale Júnior, que é um dos autores da denúncia contra Dilma,
reafirmou que houve crime de responsabilidade fiscal. "O Tesouro não
tinha dinheiro e ao invés de tomar medidas de contenção fiscal e reduzir
os gastos, continuou com a gastança para programas de televisão de 2014
(durante a campanha eleitoral). E as pedaladas continuaram ao correr de
2015 e continuam a pedalar ainda. É não ter o dinheiro e dizer para o
banco: paguem por mim".
De acordo com o jurista, as chamadas "pedaladas fiscais" não são só
crime contábil e quem paga a conta delas é a população. "Dizer que vir a
esta Casa para afastar a presidente por sua gravíssima responsabilidade
de jogar o País na lama, vai dizer que é golpe? Vai dizer que é crime?
Golpe foram os valores elevadíssimos e por longo tempo para escamotear a
verdade. Vão dizer que isto não justifica o pedido de afastamento?",
disse, em seu pronunciamento ontem.
Processo é 'vingança' de Eduardo Cunha
Em tom inflamado, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo,
mirou ontem, em seu discurso de defesa da presidente Dilma Rousseff, o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, segundo ele,
promoveu um ato "nulo" e "viciado" ao autorizar a tramitação do
impeachment.
"Esse processo teve início em um ato viciado, um ato nulo, um ato do
presidente da Casa, em retaliação ao fato de o PT ter negado votos
contra a abertura ao seu processo de cassação pelo Conselho de Ética.
Essa retaliação viciou esse ato", discursou. Segundo Cardozo, se
aprovado na Casa, o processo de impeachment "provocará uma ruptura
institucional e uma violência sem par".
O advogado-geral da União, que falou por 25 minutos, voltou a sinalizar
que o governo pretende novamente recorrer ao Supremo Tribunal Federal
(STF) alegando cerceamento de defesa. Ele pediu ao presidente da Casa
direito a fazer nova manifestação em defesa do governo amanhã, mas Cunha
negou a solicitação.
Cardozo reafirmou que Dilma não cometeu crime de responsabilidade ao
liberar créditos suplementares sem autorização do Congresso e nas
chamadas pedaladas fiscais. Ele também sustentou que o vice Michel Temer
(PMDB) não terá legitimidade, caso assuma a Presidência.