Uma pesquisa inédita feita pelo Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, confirmou que o vírus zika, hoje apontado como a principal hipótese para o aumento de casos de bebês com microcefalia no país, consegue atravessar a placenta durante a gestação. Com informações da Folha de S. Paulo.
Foi feita uma análise a partir de amostras de uma paciente que sofreu um aborto retido
– quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero – detectado na
oitava semana de gestação. A suspeita surgiu após a gestante informar
ter tido sintomas de zika, como manchas vermelhas no corpo, na sexta
semana de gravidez.
Amostras da placenta da paciente então passaram por exames de imunohistoquímica, capazes de verificar a infecção por vírus do mesmo gênero do zika.
Em seguida, foram feitos testes moleculares por meio da técnica de RT-PCR que identificaram o genoma do vírus zika em células da mãe e do embrião.
Segundo a virologista Cláudia Nunes Duarte dos Santos, que participou da análise, os testes confirmam a transmissão do vírus via placenta.
“É muito grave, e confirma a nossa suspeita. É a primeira vez que vemos
o RNA [do vírus da zika] no tecido da placenta”, diz a pesquisadora,
uma das primeiras a identificar o vírus zika no Brasil.
Vírus zika pode ter rompido placenta de paciente
Exame morfológico também mostrou uma inflamação na placenta, de acordo
com a patologista Lúcia de Noronha, que verificou a amostra.
“Dá pra ver claramente que o vírus rompeu essa barreira”, diz. Ainda,
de acordo com a pesquisadora, testes complementares descartaram a
infecção por outros flavivírus, como a dengue.
Vírus pode ter atuação no organismo de bebês similar ao HIV
Pesquisadores também verificaram os primeiros indícios de como seria um
caminho possível do vírus zika durante a transmissão. Na análise, o
vírus foi identificado em células de Hofbauer, que atuam na manutenção
da placenta e defesa do bebê.
A hipótese dos pesquisadores que analisaram as amostras é que o vírus
utiliza capacidade migratória dessas células para alcançar os vasos
fetais – um mecanismo semelhante ao observado em transmissões de HIV,
segundo Lúcia de Noronha.
“Essa célula se locomove na placenta. Ao se locomover, poderia
inclusive carregar o vírus, funcionando como um cavalo de Troia”, diz.
“O HIV, por exemplo, faz isso, e engana essa célula”, explica.
“Como é uma célula de muita mobilidade, pode ser que por essa célula
esteja chegando no embrião. É uma hipótese que vamos pesquisar agora”,
completa Cláudia Santos.
Análise complementa estudos anteriores
Segundo Santos, análises anteriores já sugeriam que o vírus zika
pudesse atravessar a placenta e infectar o feto, mas os dados não eram
suficientes para confirmação.
Em uma delas, feita pelo Instituto Oswaldo Cruz, da Fio Cruz,
pesquisadores verificaram a presença do vírus em amostras do líquido
amniótico de duas gestantes da Paraíba, cujos fetos foram identificados
com microcefalia ainda antes de nascer.
Faltavam, porém, mais evidências dessa transmissão – uma vez que o
líquido amniótico pode ser atingido por outras vias, como o canal
transvaginal, por exemplo.
Para Cláudia Santos, a presença do vírus na placenta tanto em células
da mãe quanto do embrião acaba por complementar as análises anteriores.
“Isso mostra que o vírus tem potencial de fazer infecção congênita”,
diz.
Apesar dos achados, ainda sobram dúvidas. Ela ressalta que, ainda que a
amostra analisada seja de um caso de aborto espontâneo, não é possível
afirmar que o vírus foi a casa da interrupção da gestação.