quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Vírus zika é capaz de ultrapassar a placenta na gestação, confirma análise

Uma pesquisa inédita feita pelo Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, confirmou que o vírus zika, hoje apontado como a principal hipótese para o aumento de casos de bebês com microcefalia no país, consegue atravessar a placenta durante a gestação. Com informações da Folha de S. Paulo.
Foi feita uma análise a partir de amostras de uma paciente que sofreu um aborto retido – quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero – detectado na oitava semana de gestação. A suspeita surgiu após a gestante informar ter tido sintomas de zika, como manchas vermelhas no corpo, na sexta semana de gravidez.

Amostras da placenta da paciente então passaram por exames de imunohistoquímica, capazes de verificar a infecção por vírus do mesmo gênero do zika.

Em seguida, foram feitos testes moleculares por meio da técnica de RT-PCR que identificaram o genoma do vírus zika em células da mãe e do embrião.

Segundo a virologista Cláudia Nunes Duarte dos Santos, que participou da análise, os testes confirmam a transmissão do vírus via placenta.

“É muito grave, e confirma a nossa suspeita. É a primeira vez que vemos o RNA [do vírus da zika] no tecido da placenta”, diz a pesquisadora, uma das primeiras a identificar o vírus zika no Brasil.
Vírus zika pode ter rompido placenta de paciente

Exame morfológico também mostrou uma inflamação na placenta, de acordo com a patologista Lúcia de Noronha, que verificou a amostra.

“Dá pra ver claramente que o vírus rompeu essa barreira”, diz. Ainda, de acordo com a pesquisadora, testes complementares descartaram a infecção por outros flavivírus, como a dengue.

Vírus pode ter atuação no organismo de bebês similar ao HIV

Pesquisadores também verificaram os primeiros indícios de como seria um caminho possível do vírus zika durante a transmissão. Na análise, o vírus foi identificado em células de Hofbauer, que atuam na manutenção da placenta e defesa do bebê.

A hipótese dos pesquisadores que analisaram as amostras é que o vírus utiliza capacidade migratória dessas células para alcançar os vasos fetais – um mecanismo semelhante ao observado em transmissões de HIV, segundo Lúcia de Noronha.

“Essa célula se locomove na placenta. Ao se locomover, poderia inclusive carregar o vírus, funcionando como um cavalo de Troia”, diz. “O HIV, por exemplo, faz isso, e engana essa célula”, explica.

“Como é uma célula de muita mobilidade, pode ser que por essa célula esteja chegando no embrião. É uma hipótese que vamos pesquisar agora”, completa Cláudia Santos.

Análise complementa estudos anteriores

Segundo Santos, análises anteriores já sugeriam que o vírus zika pudesse atravessar a placenta e infectar o feto, mas os dados não eram suficientes para confirmação.

Em uma delas, feita pelo Instituto Oswaldo Cruz, da Fio Cruz, pesquisadores verificaram a presença do vírus em amostras do líquido amniótico de duas gestantes da Paraíba, cujos fetos foram identificados com microcefalia ainda antes de nascer.

Faltavam, porém, mais evidências dessa transmissão – uma vez que o líquido amniótico pode ser atingido por outras vias, como o canal transvaginal, por exemplo.

Para Cláudia Santos, a presença do vírus na placenta tanto em células da mãe quanto do embrião acaba por complementar as análises anteriores. “Isso mostra que o vírus tem potencial de fazer infecção congênita”, diz.

Apesar dos achados, ainda sobram dúvidas. Ela ressalta que, ainda que a amostra analisada seja de um caso de aborto espontâneo, não é possível afirmar que o vírus foi a casa da interrupção da gestação.